quarta-feira, 14 de julho de 2010

A falência da fusão Capital-Futebol

Por Roberto Oliveira

Ao longo de todo século xx, a America Latina

foi o grande centro produtor de jogadores de futebol do globo. Gênios estes cujos dribles, astúcias e gols encantaram o mundo com a magia de um sentimento que somente o futebol parece suscitar. Das dezoito copas do mundo disputadas do século passado ao inicio deste, simplesmente 9 ficaram em terras platinas ou brasilianas –

duas para os uruguaios, mais duas para argentinos, e cinco para a scratch canarinho. Além de que 4 dos maiores entre os maiores artistas da bola nasceram por aqui, Pele, Garrincha, Dieguito, e Di Stefano.

Com isso, enquanto grande produtor de “matéria-prima” para o espetáculo, e enquanto setor de desenvolvimento do cenário cultural de grande potencial que é o esporte, principalmente os de massa como o futebol; a America Latina sempre foi celeiro de mercadoria para realização de capital e portanto das relações de exploração social do capitalismo também (e obviamente) no futebol. Não estando o futebol dissociado do sistema social no qual ele é praticado. Portanto, o futebol não é de forma alguma indiferente à reforma do sistema, e está totalmente adequado às novas formas de apresentação do capital pós-reestruturação – cada vez mais centralizado, financeirizado e mundializado.

A Europa, de onde se difundiu o esporte bretão para o resto do globo, tem uma estrutura organizativa muito superior à da America Latina, ainda tão oligárquicas politicamente e provinciana estruturalmente, e às da África e Ásia, totalmente incapazes de disputar com aquelas. Tornando-se o velho continente conseqüentemente muito mais atraente para pratica esportiva e para exploração midiática e mercantilizante do futebol. Hoje, Barcelona e Real Madrid representam perto de 1 % do PIB Espanhol, ao passo que times da primeira divisão que disputam o mesmo campeonato que eles, decretam moratória e tem protesto dos jogadores (de

cueca) em campo. Ademais, o atual clube campeão europeu, o italiano Internazionale, conquistou o título sem nenhum italiano como titular. Há um evidente processo de concentração da matéria prima do futebol, os tão valiosos craques, onde estão os grandes clubes europeus. E isto acontece porque estes são cada vez em maior número, pois o que os credencia agora a esse status de “grande” é o poder financeiro de investimento, e não mais sua historia construída a partir do futebol, o que abre as portas de qualquer clube para as investidas dos capitais americanos e asiáticos principalmente – são as sociedades anônimas, com as quais os clubes agora tem donos percentualmente. Como podemos ver, não à toa a America Latina sofre mais que qualquer outra localidade com relação à exportação de atletas, ela tem alta capacidade produtiva no esporte e o capital futebolístico que é cada dia mais internacional está engendrado geograficamente nos clubes europeus.

Entretanto, como é de praxe no capitalismo, aparece daí a contradição. Na Copa do Mundo atualmente sendo disputada na África, dos 32 países que iniciaram a competição: 13 eram europeus, 8 americanos, 6 africanos, 3 asiáticos e 2 oceânicos. Das 16 seleções que passaram para a segunda fase do torneio, nada mais nada menos que 7 são americanas (somente a fraca

Honduras ficou de fora); 6 são européias (e a campeã e vice do mundo voltaram mais cedo para

casa); além de duas asiáticas, e uma da África – outro centro exportador na relação colonialista do futebol.

O que ocorre é que ao somente importar na

relação de pacto colonial com a África e primordialmente com a América, a Europa perde capacidade produtiva autônoma (e que diga-se

de passagem, é altíssima) e pode com o passar do tempo perder referência, deixar de ser respeitada enquanto grandíssima escola do futebol mundial. Em contraposição a esse “novo modelo moderno de futebol”, é que surge no próprio continente europeu, mais notadamente na Itália, o movimento “No al cálcio moderno”(não ao futebol moderno). Reivindica exatamente a autogestão dos clubes europeus e o rechaçamento do capital financeiro no futebol, o que possivelmente

equilibraria e restabeleceria uma maior naturalidade nas relações entre os futebóis de todo o globo.

Está claro, portanto, a falência estrutural de um projeto desportivo puramente mercantil, que desequilibra as relações esportivas e que danifica as estruturas organizativas, além de explorar as diferenças socioeconômicas – enquanto as crianças européias estudam em período integral, as crianças da periferia mundial padecem com a falta de educação, mas são celebradas ao futuro, como no fetiche da mercadoria, ao encantarem os olhos do mundo com pés de quem nunca pisou numa escola. Tal falência é evidente nos exemplo das relações sociais do futebol (neocolonialistas), notadamente as da Europa com a América. É preciso, sim, repensar o modelo esportivo que pretendemos sustentar. Mas também é necessário por fim ter a clareza de que nenhum projeto social, seja esportivo, educacional ou o que seja, se desenvolve desvinculado da estrutura social vigente, e que para formatação de novos modelos micro, a transformação no plano macro se faz imperativa.


2 comentários:

  1. Concordo integralmente com o que você escreveu..
    O futebol não esta fora do processo e globalização, os sintomas disso é um futebol cada vez mais chato e sem identidade.
    O caminho tenebroso que o futebol está tomando é de se tornar cada vez mais mercadoria, e cada vez menos esporte e paixão...

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  2. Ótimo texto.

    O futebol e a sociedade com valores distorcidos e interessados apenas no lucro. Nesse caso, futebol como alienação, não como diversão.

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