terça-feira, 8 de junho de 2010

A lenda da "profissionalização" do FUTEBOL: Vitória S.A e outros



Em maio de 2010 o Esporte Clube Vitória selou por definitivo a última parcela da recompra das ações vendidas no período do Vitória S.A, artifício criado pelo clube para a sua entrada no mercado financeiro. Jorge Sampaio, ainda em 2008, então presidente da Sociedade Anônima revelou a sua satisfação com o fato: “O importante é que seremos dono do nosso próprio nariz”.

Voltemos ao passado para entender em que momento o torcedores do Vitória deixaram de ser donos do próprio “nariz”, quem eram os donos, e o que isso representava ao clube até aquele momento.

Ainda no ano de 2000, cerca de seis meses após o Vitória conquistar o 4º lugar no Campeonato Brasileiro, e pouco mais de um ano após o aniversário de 100 anos do clube, o então presidente, Paulo Carneiro, sela um contrato até então inédito no Brasil: vende 50,1% das ações do Vitória S.A – que cuidava apenas do departamento de futebol da entidade esportiva – para investidores argentinos do Fundo Exxel Group.

O banco se tornaria, desse modo, o primeiro acionista a investir no futebol brasileiro nesses modelos, num momento de grandes mudanças no esporte mais popular do país, e assim, a negociata foi dada como marco desse momento. Elogiado de vários flancos, o Vitória entrou de cabeça nesta “parceria”, na qual já planejava grandes ganhos nos anos que viriam. Não imaginariam, no entanto, nem o clube, nem a imprensa que tanto apoiou o processo, o caos que se tornaria a vida do rubro-negro baiano nos anos seguintes.

Esse “novo momento” do futebol brasileiro era a tal “profissionalização e garantia da ética empresarial” nos clubes. Um movimento que alterou juridicamente os estatutos clubísticos, a ‘função-social’ do desporto profissional e por fim, os atores que mandariam no futebol brasileiro.

Inspirado nos modelos Europeu que havia começado ainda na década de 1980, o futebol brasileiro se viu obrigado a se “modernizar”. Um verdadeiro copia-e-cola foi re-editado na Lei Zico para se adequar aos nossos padrões. Isso o sociólogo Emir Sader, em um breve artigo, chamou de “neoliberalismo no futebol”, de fato o era. Começou exatamente na Inglaterra de Margareth Tatcher, a dama-de-ferro e rainha dos neoliberais. Com o propósito de transformar todos os aspectos da vida cotidiana em mais um apêndice do mercado, estimulando a concorrência e a busca pelo lucro como fim, a nova doutrina política e econômica, invadiu o futebol. Naquele momento o jogo já era um aspecto cultural em qualquer local do globo.

Tatcher e seus lacaios tinham o seu ‘argumento-engodo’ para conseguir apoio de diversos setores da sociedade, tais quais os brasileiros também teriam o seu. Se na Inglaterra culparam os hooligans pela tomada dessa medida, ‘antes de ideal, mais do que necessária’, aqui veríamos um imenso corpo de jornalistas, ex-atletas e políticos influentes apoiando tal processo por conta de um inimigo em específico: os ‘Cartolas’.

De fato, a cartolagem precisava ser exterminada. Chegou ao quase incontável o número de casos de abuso de poder, negociações ilícitas, uso do futebol para fins políticos, manipulação de resultados, enfim, todo tipo de falcatrua possível. Tornaram-se verdadeiros “piratas” do futebol, como uma vez disse Juca Kfouri. Eram verdadeiras máfias que se apropriaram do jogo.

O próprio Juca Kfouri, um dos jornalistas esportivos mais influentes e empenhados que o futebol brasileiro já teve, foi um verdadeiro militante (como o mesmo se intitula) da causa do jogo. Um dos principais articuladores políticos da Lei Pelé - que viria a substituir, corrigir, e tornar mais forte o que a Lei Zico propôs – era conhecido também por ser um caçador de cartolas, inimigo número um de senhores como Eurico Miranda. Juca considerava o futebol “um negócio grande demais para ser deixado nas mãos de ‘amadores’ que só fazem enriquecer sem prestar contas a ninguém”, como deixou claro uma vez na sua coluna na Folha de São Paulo, ainda no ano de 1995. (E anos depois viu que seu projeto não funcionou)

A Lei Pelé viria a ser a martelada definitiva na obrigatoriedade dos clubes de se tornarem empresas. Deu três opções: Se tornarem sociedades civis de fins econômicos, portanto ainda teriam um quadro de associados mesmo abrindo seu capital (o caso do Vitória S.A); se tornarem sociedades comerciais, mais do que nunca clube-empresa, como esses que tem proliferado pelo Brasil (Grêmio Prudente/Barueri, RedBull F.C, Pão de Açucar); ou por fim, simplesmente seriam obrigados a contratar uma empresa com fins lucrativos para a gestão dos seus negócios.

O que se constatou após quase 15 anos de Lei Pelé foi que, de fato, os cartolas perderam alguma força. Transferimos um pouco do seu poder quase feudal sobre os clubes para entregarmos... aos vampiros! Mesmo sofrendo notáveis alterações, a Lei não solucionou de forma alguma os problemas do futebol. Pelo contrário, criou outra forma de apropriação sobre o jogo, que tem se saído, por incrível que pareça, muito pior do que os desmandos dos cartolas.

Nos estádios europeus, e hoje ainda timidamente em alguns estádios brasileiros, já existe um forte movimento que percebeu que cartolas e capitalistas se enquadram num mesmo problema: a busca do benefício próprio em detrimento das verdadeiras razões do futebol existir, que é a sua relação cultural torcedor/clube/jogador. Os europeus representavam através de faixas com os dizeres: “NÃO AO FUTEBOL MODERNO”, destacando a sua indignação com o que se tornou o jogo após tal “profissionalização”.

Os vampiros ainda estão aí, seja travestidos de dirigentes, de empresários geniais ou de agentes caridosos. O Palmeiras está aí sofrendo com sua parceria com J.Hawilla e a Traffic. O Corinthians viveu seus momento de agruras com a MSI, o Flamengo com a ISL, o Cruzeiro com a Hick&Muse... O Vitória com o Exxel.

Um antigo empregado do banco argentino, Flávio Raupp, girado para representá-los na ‘parceria’ revelou ao próprio Juca Kfouri em seu blog , o que pensavam ao comprar mais da metade das ações, e conseqüentemente adquirir maior poder de decisão, do Vitória S.A por R$6mi: “um negócio da China”. Os baianos têm um termo bem peculiar para esse tipo de parceria: o negócio ‘PACU’. O Exxel entrou com a primeira sílaba, o Vitória cedeu a última. Para isso, o entendimento é livre.

Paulo Carneiro, após o fechamento das negociações definitivas da recompra das ações do Vitória S.A, renegociada várias vezes devido a impossibilidade do clube pagar as parcelas definidas ainda em 2004, resolveu explicar então qual foi o motivo do fracasso da parceria.

Em um longo texto no seu próprio blog, o ex-cartola-ex-dirigente-ex-profissional-ex-visionário, revelou que os investidores “resolveram mudar o foco dos seus investimentos e não mais investiam no Vitória”. Junto a tal caso, o Vitória S.A e seus investidores também sofreram um grande baque: o congelamento das verbas repassadas pela TV Globo, que não estava previsto no “plano de gestão” da ‘empresa’. Se a lógica é a do lucro e esse não vem, então não faz mais sentido investir.

Os defensores da "profissionalização" reclamavam que os craques daqui eram vendidos ao exterior de forma arbitraria e a preço de banana. Os investidores forçaram os clubes a fazerem o mesmo para saldar suas dívidas. O Vitória em 2003 vendeu Nádson, revelação da casa e já ídolo do clube por ter virado um clássico contra o arqui-rival com 3 gols nos 15 minutos finais do jogo, para o Japão antes mesmo de começar o Campeonato Brasileiro. No ano seguinte, mais do mesmo. Venderam um dos maiores zagueiros já revelados pelo clube, Adaílton, para a França. Tirando fora disso tudo, cerca de 10 jogadores diretamente da divisão de base que mal passaram pelo time profissional, com passes sem muito valor. Entre eles estava um dos destaques do futebol português em 2009, convocado para a Seleção, o atacante Hulk.

No ano em que o Exxel Group aceitou a recompra das suas partes no Vitória S.A, o Esporte Clube Vitória, que hoje volta a ser dono do próprio nariz, caiu para a Série B. No ano seguinte, ainda se preocupando em pagar a tal negociação, vendendo suas pratas-da-casa, foi parar na Série C.

Não conseguiram com a tal “profissionalização” acabar com a corrupção do futebol. Ganharam em troca a sua prostituição. E, como sempre, o jogo, os torcedores, e sua real razão de existir como valor cultural em qualquer canto do mundo, novamente foi colocado em segundo plano. Tanto os cartolas quanto os vampiros da especulação engordaram e continuam engordando em cima do futebol, enquanto este coitado sofre buscando as suas raízes e seu sentido de vida.

Alguns ainda julgam que isso se deveu pelo fato dos Cartolas não terem sido derrotados. Aconselho que sigam então para Europa para entender a situação financeira dos clubes de lá. E que lá avaliem como se dão as decisões nos clubes que possuem proprietários, avaliem onde estão os torcedores históricos daqueles clubes, avaliem o valor dos ingressos e acompanhem esse humilde blog que tem se prestado a denunciar o que se tornou o futebol.

Hoje, vendo a falência de ambos os modelos, “o patronal-reacionária do Cartolas e a visão liberal-mercadológica dos especialistas da Modernidade” (pegando aqui emprestado a melhor definição possível para essas duas concepções de futebol do outro blogueiro do TorcidaGanhaJogo.blogspot.com, Fred Elesbão), nos resta pensar um novo modelo, que venha de baixo, da arquibancada.

A partir daqui, deixo a bola levantada para o próprio Fred colocar a sua visão sobre uma ‘gestão coletiva do futebol, onde os torcedores se tornam os legítimos donos’.









Irlan Simões é estudante de Comunicação Social, torcedor do Esporte Clube Vitória e em 2006 ia todos os jogos ao Barradão quando estavam na Série C e não viu o Exxel Group por lá. Acha que o futebol deve ser jogado pela ala Esquerda e por isso odeia o Futebol Moderno.

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