quinta-feira, 22 de julho de 2010

Caso Felipe/Corinthians e o esvaziamento das relações subjetivas.

Deixarei um breve comentário sobre o caso que tem deixado muito formulador de futebol confuso sobre que parte tomar.

Fazendo uma breve contextualização: Felipe, goleiro do Corinthians, forçou o clube a negociá-lo, criou um certo desconforto na sua relação com os dirigentes. Foi negociado com o Genoa da Itália, mas teve o negócio frustrado quando o clube desistiu de contratá-lo por conta do excessivo número de jogadores estrangeiros no plantel. Felipe acionou o sindicato dos atletas e fez com que o Corinthians o readmitisse, uma vez que não poderia mais atuar por outro clube no Brasil e também não teria conseguido fechar contrato na Europa.

Colocamos aqui dois lados da questão: 1) A questão trabalhista de Felipe, que vive em intenso conflito com a direção Corinthiana, uma vez que é assalariado do clube, e deve satisfações 'à empresa'. 2) A questão que se tornou frequente no futebol moderno de jogadores que abandonam clubes pensando único e exclusivamente no seu aspecto financeiro pessoal.

Como bons defensores do futebol que somos aqui no TorcidaGanhaJogo.blogspot.com venho trazer alguns pontos que devem ser intensamente discutidos nessa fase turbulenta que passa o futebol no mundo.
Um primeiro ponto importante a ser colocado é que o jogador de futebol hoje não é um trabalhador qualquer. Mesmo que seja uma minoria, o futebolista alcançou um status diferenciado do resto da classe. Pode ser colocado hoje ao lado dos artistas 'star system', como alguns estudiosos da Industria Cultural costumam colocar.

Tais seres do star system não são meros vendedores da sua força de trabalho. São privilegiados partindo do principio que tem maior poder de decisão sobre o seu ganho, e ainda tem a partir do seu exercício profissional uma série de outras oportunidades de renda. Portanto, algo importante a ser pontuado na discussão é que não se trata meramente de uma questão "trabalhista".

Felipe tinha um propósito, ir para a Europa e ganhar melhor. Tem qualidade para isso e já tinha destino certo. Forçou o Corinthians a fazê-lo da mesma forma que Kaká fez ao São Paulo: colocou que o seu contrato expirava dentro de meses e caso não fosse vendido imediatamente o clube só teria a perder. Ou vendia o jogador pelo preço que ali estava, ou perdia o direito do seu passe.

Aqui então colocamos como o futebol moderno e os seus altos valores extra-futebolísticos (grana que só existiu no jogo a partir do football business mesmo) tornaram esse fenômeno tão comum. Jogadores que saem do clube a cada ano, mesmo que tenha posição de quase-ídolo, como era a de Felipe no Corinthians.

Hoje o que existe é uma tendência oportunista: jogadores que mal sabem ler, agenciados por empresários espertalhões, mudam de clube de acordo com a melhor proposta. Isso tem levado o futebol ao buraco, uma vez que não se forma mais o vínculo entre jogador, clube e torcida, uma das principais razões do futebol ser o que hoje é, uma grande construção coletiva de relações subjetivas.

Em um artigo na sua coluna no Estadão, Carlos Alberto Sardenberg, comemorou a vitória da Espanha na Copa do Mundo como um triunfo do livre mercado em prol do ganho do futebol. O pseudo-economista quis mostrar, com argumentos estapafúrdios, como, através da liberdade economica dos clubes espanhóis, o futebol nacional cresceu e subiu o seu nível (vale a pena conferir o absurdo).

Com isso aproveito pra fazer um gancho e explicar o seguinte: quando se critica a comercialização de algo, a transformação de bens culturais em objetos de troca, não se reclama apenas do poder econômico que impera sobre tudo ali dentro, se coloca acima de tudo, o esvaziamento das relações por conta da busca um maior ganho material.

O caso Felipe é apenas mais um para ilustrar como o futebol hoje tem sido deixado em segundo plano por ter virado um grande mercado. Tal qual a música tem sido produzida industrialmente deixando de lado o valor e os aspectos culturais que esse ramo da arte carrega, o futebol tem se tornado um mero mercado de conquistas superficiais de títulos/status, para maior atração de recursos.

Os clubes, colocados em uma organização típica de empresas, buscam para si retorno financeiro tratando o torcedor, antigo apoiador e sócio que apenas buscava o lazer no futebol, como um mero consumidor. O jogador que, mesmo recebendo salários e sendo um atleta, criava vínculos que iam além da relação do trabalho, buscando fazer parte da história daquela experiência coletiva, busca hoje o melhor salário do leilão e troca de clube a cada 8 meses.

Já o torcedor, aquele que ainda não aceita ser chamado de consumidor, que vai ao estádio, ao invés de ficar em casa assistindo pela TV... bem, esse já tem desistido do jogo. E aqui parafraseio uma amiga torcedora do Bahia: "Pra que ir pra estádio dar dinheiro praquele bando de safado que não tá nem aí pra mim?".


O futebol só vai mudar quando a sua estrutura política e econômica mudarem. Só vai mudar quando deixar de ser um grande balcão de negócios.

E isso não será pela boa vontade dos seus "donos".



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