terça-feira, 14 de setembro de 2010

Torcida, criminalização e exclusão: desde 1906!

Em tempos de Torcidas Organizadas que viram Escolas de Samba e verdadeiras empresas, é difícil imaginar como surgiu no Brasil toda essa paixão que é típica dos nativos pelo futebol, e como surgiu essa "loucura" que é torcer. Como uma vez me falou Fred, daqui mesmo do blog: "No Brasil o futebol tem uma conotação diferente da Europa: é pura catarse".

A relação do brasileiro com o futebol é muito, muito mais antiga do que a gente possa imaginar. Tive acesso a um artigo muito interessante sobre o futebol na Bahia nos seus primórdios, considerando os
primeiros torneio entre clubes de Salvador. Vale lembrar que naquele contexto o futebol ainda era amador, com os clubes sendo formado exclusivamente por "homens de bens" que praticavam o esporte numa concepção de lazer. Para tanto organizavam seus clubes esportivos, que competiam entre si. Os "populares" ficavam sempre à margem do jogo, e à margem do campo, apenas observando aquele jogo que lhes impressionava

O artigo em destaque é esse aqui: FUTEBOL E CULTURA POPULAR EM SALVADOR, 1905 - 1915, de autoria de Henrique Sena dos Santos, um acadêmico que fez uma importantiéssima pesquisa sobre como o futebol remodelou e expôs uma série de características da tradicionalmente racista e excludente sociedade baiana. Que só nos mostra o quanto isso se repete até hoje.

Gostaria de destacar exatamente esse trecho de uma reportagem usada pelo autor, mostrando que desde 1906 imaginar pessoas que se envolvam com o jogo, mesmo que não estando dentro de campo, possam interferir no mesmo, incomodava muita gente. E as medidas, adivinhem, eram exatamente as mesmas: reprimir.

Abaixo um trecho de uma matéria sobre o jogo Vitória 2 x 1 Internacional
"É de lamentar que uma malta de desocupados perturbem as belas partidas a que o público
acorre tão cheio de curiosa satisfação, prejudicando os movimentos dos jogadores, fazendo-os
escutar ofensas quando perdem e dando triste idéia dos nossos foros de civilização. Convém
notar que o Internacional é composto de ingleses que devem ter de nossa parte, como
hospedes que são, todas as distinções. Achamos que a polícia bem podia sanar esta
inconveniência que vai se tornando um péssimo costume."
(Jornal Diário de Notícias, 11 de junho de 1906)

Detalhe importante: o clube do Vitória, fundado em 1899, era composto exatamente por
brasileiros que não tiveram a oportunidade de jogar no Internacional, clube composto exclusivamente por gentlemans ingleses. A cara do Brasil pós-colonial, subserviente agora à grande potência do século XIX e XX.

De lá para cá o futebol mudou bastante, se tornou um esporte profissional, atraiu milhões de pessoas para o estádio e gera uma absurda renda para os seus envolvidos. No entanto, o que vemos aqui é uma característica em particular que existia muito antes do jogo ser uma paixão nacional, pintada e bordada por tantos dramaturgos românticos, ou até antes mesmo de existirem competições profissionais e de alto rendimento; sempre existiu, e permanecerá viva por mais que se lute contra: o torcedor.

O que vemos hoje após o Estatuto do Repressor, dentre outras medidas absurdas que tem sido tomadas ao redor desse grande globo que, não à toa, parece uma bola, é que estão, mais uma vez, tentando deixar de fora o que há mais de cem anos eles chamam de "vândalos".


Isso mostra como para os donos do futebol a torcida ativa sempre significou um incômodo. Com o evoluir do esporte, só vimos provas de como "aquele povo mal-educado sentado na arquibancada" tem direitos até o limite em que não interfiram nos negócios de dirigentes e cartolas. Na
medida em que se tornam fortes demais e passam a mandar no jogo, deixam de ser importantes. Ou seja: ou é massa de manobra, ou não é nada.

Acabo então por remeter toda essa situação ao que se passa hoje no Vitória: o processo de democratização do clube. Após anos de "feudalismo" no clube, torcedores se mostraram indignados e hoje cobram eleições diretas. Para tanto já lançaram até um movimento.
No primeiro passo dado por esse grupo de torcedores, que nunca tiveram condições financeiras e nem status quo para atingir altos postos do comando do clube, os grandes cartolas que sempre dominaram o ECV tremeram. Antes mesmo de alguma manifestação, muitos já respondiam negativamente à idéia, chegando ao ponto do Presidente do Conselho Deliberativo do Vitória falar sem qualquer escrúpulo que é contrário às eleições diretas.

E assim sempre será.

Passou do tempo dos torcedores de todo o Brasil se levantarem e cobrarem o que mais defendemos aqui no TGJ: o futebol para os torcedores, o futebol para o povo.

Só assim, com a extinção de cartolas oportunistas, dirigentes interesseiros e seus lacaios sangue-sugas que poderemos derrotar a o futebol moderno, que transformou essa paixão mais do que centenária em um grande balcão de negócios, que tem como fim apenas o lucro.

5 comentários:

  1. O Futebol originalmente era um esporte Elitista, algo que foi se Popularizando ao longo do tempo em termos da prática do desporto em si.

    Mas a popularização nunca ocorreu no topo, na direção. Todos esses dirigentes continuam sendo os mesmos aristocratas do século XIX.

    O que virou Popular, foi o Exercício do esporte, mas a Direção continua sendo Elitista.

    Isso é a contradição de classes dentro do Futebol...

    ResponderExcluir
  2. http://hisbrasil.blogspot.com/2009/01/caso-de-hospcio.html

    ResponderExcluir
  3. Se os jogadores de futebol tivessem consciência de classe.... seria diferente, mas enfim

    assino em baixo do que o Irlan falou

    ResponderExcluir
  4. Oi, Irlan, entrei no seu blog e achei muito interessante. Basicamente, é a mesma luta que desejamos travar, contra a destruição da cultura do torcedor pelos interesses comerciais capitaneados pela televisão, a dona do futebol atualmente. Tenho conhecimento de um outro blog também defendendo uma organização de torcedores, mas desconheço a existência de uma organização regulamentada oficialmente, sem o que nossa luta não avançará. Convido você e seus companheiros a se juntarem ao movimento. Vamos fazer nossa primeira reunião no Rio mas mesmo antes de realizarmos reuniões em outros lugares vamos bolar um meio das pessoas se associarem via Internet. Tudo será disponibilizado em um site que já está sendo construído. Um abraço de torcedor,
    Marcos Alvito (Associação Nacional dos Torcedores, http://respeitemotorcedor.wordpress.com )

    ResponderExcluir
  5. Olá Marcos,

    deixa seu twitter à disposição pra gente trocar uns contatos por lá!


    Abração.

    ResponderExcluir